quarta-feira, 1 de março de 2017

Corpo x Mulheres Reais x Feminismo


Eu sou feminista.
Acho triste que muitas pessoas, homens e mulheres, interpretem as ideias feministas de forma errônea, tentando desvalorizar tudo o que tentamos conseguir e tudo o que conseguimos. O feminismo não prega que a mulher deve não se depilar, não se casar, etc etc etc. O feminismo prega que a mulher deve ser feliz do jeito que ela quiser: se ela quiser ser feliz sendo dona de casa, ótimo, e se ela quiser ser feliz sendo presidente da república, ótimo também!

Mas se tem uma coisa que eu e muitas outras mulheres ainda temos muita dificuldade de lidar é... o nosso próprio corpo. Sim, nosso corpo. É difícil aceitar nosso corpo quando a sociedade todo dia através de todos os meios nos passa a ideia de um padrão de beleza que deve ser seguido. Isso já é tão incorporado em muitas de nós que quando aumentamos um pouco de peso já queremos perder.

Mas isso é uma coisa que vem de muito tempo: lembra da sua Barbie? Super magra, cabelos lisos e peitos grandes. A manipulação sempre foi tão grande que sempre que eu ganhava uma Susi eu não gostava. A Susi tinha o olho grande, a boca grande, seios pequenos, cintura muito  - negativamente pensava eu - diferente da Barbie. Mal sabia eu que a Susi é muito mais próxima de nós (mas não igual), mulheres reais, do que a Barbie era. Além disso, havia uma necessidade enorme de se ter um namorado pra Barbie, lembram disso? E também a representatividade negra - ambas, Susi e Barbie - sempre foi muito pouca (hoje que a situação está mudando). Mas, por mais que a Susi fosse mais próxima das "mulheres reais", ela ainda conservava o corpo sem os famosos pneuzinhos, sem as estrias, etc. No final das contas, a representatividade não era tão representativa assim.
Ontem eu vi uma manchete de uma página de Facebook - não sei se realmente era verdade - elogiando que a Fernanda Vasconcelos passou do manequim 38 para o 34. Sério: elogiando! Gente,  eu vestia quando eu era criança/pré-adolescente. A mulher tá magérrima, mas é uma magreza patológica, não é saudável. Até que ponto nós mulheres vamos continuar sob os mandamentos criminosos dessa ditadura da beleza? E mesmo que você diga "Ah, mas segue quem quer" essa ditadura é semelhante a um relacionamento abusivo: você sabe que está em um, mas pra sair é difícil demais.

Também vi pessoas comentando sobre uma propaganda da marca Calvin Klein em que aparecia uma mulher super magra (mas patologicamente, como sempre) vestindo um jeans. A maioria das pessoas estavam criticando aquilo, isso pelo menos já mostra uma certa resistência a esse padrão de beleza. Isso é bom. Mas quando será que vamos ver o mundo da moda realmente valorizando as mulheres reais. Mulheres que comem arroz, feijão, macarrão, carne, frango... Mulheres que bebem... Mulheres que vão ao McDonalds de vez em quando... Mulheres que gostam de sorvete... Enfim, quando realmente vamos ser representadas?

E a ditadura dos cabelos? Durante muito tempo os cabelos cacheados e crespos foram silenciados e marginalizados. Quantas pessoas fizeram escova progressiva/alisamento em seus cabelos pra se sentirem mais bonitas? Eu, por exemplo, fui uma. A mídia nos obrigou a desfazer nossos cachos, a negar nossa própria essência, a negar a nós mesmas, pois nosso cabelo faz parte da gente. Hoje as coisas já mudaram pra melhor (embora ainda exista muito preconceito), por exemplo: hoje em dia existem diversos produtos pra cabelos crespos e cacheados, produtos novos com componentes novos. Hoje não existe apenas "Produto para cabelos cacheados", existe produtos para cachos comportados, cachos volumosos, existem produtos com óleos e ceras adicionados para tratar os cachos, reparador de pontas pra pessoas com cabelos cacheados, dicas de como se deve secar os cachos, de como de deve finalizar os cachos, dicas de penteados para cabelos cacheados... enfim, hoje os cachos estão sendo valorizados! Existem diversas YouTubers só falando de cabelos cacheados. Digo isso porque reassumi meus cachos e estou muito feliz. Não estou dizendo que todo mundo que faz progressiva é porque quer se encaixar no padrão de beleza que sempre nos foi imposto, mas que o padrão de beleza tem importância, isso tem.

Outro dia eu fui comprar comida aqui numa senhora que vende pratinho de comida na minha rua e uma das pessoas que estavam lá estava comentando de que havia ido pra Gramado e que lá (em Gramado) não existe gente feia como no Nordeste, só existe gente magra, loira e com os olhos claros. Existe coisa mais triste de se escutar? Primeiro que esse padrão de que gente bonita são os brancos, loiros e de olhos azuis foi coisa imposta pelos europeus e que nós - infelizmente - assimilamos. Quer dizer que então o sangue que corre nas minhas veias, sangue indígena, sangue negro tem menos valor que o sangue dos brancos? Só vou ser uma mulher bonita se eu alisar meu cabelo, descolorir pra ficar loiro e colocar lentes azuis? Triste de quem desvaloriza suas próprias origens, de quem desvaloriza a si mesmo. Eu não acho que nenhum povo seja feio ou mais bonito que os outros, mas eu acredito que as belezas existentes nesse mundo são, simplesmente, diferentes. São variações de um espectro de beleza, mas nenhuma melhor ou pior que a outra. Mas, infelizmente, poucas pessoas pensam assim. Muita gente ainda julga pela aparência: coloque uma branca loira dos olhos azuis e um negra dos olhos castanhos e cabelos crespos em uma mesma loja: o tratamento é diferente, amigos, infelizmente.

O feminismo está com tudo, mas confesso que essa parte do corpo é uma parte super delicada e ainda muito difícil de lidar para nós mulheres, pois é algo que colocam na nossa cabeça desde que éramos crianças pequenas. Quando vamos vencer essa batalha?